Como um desconto no IPTU ajudou a criar a economia da jabuticaba em Sabará
Produção e exploração comercial da fruta teve início há mais de quatro décadas na cidade a partir de uma lei municipal que mudou a relação dos sabarenses com seus pés de jabuticabas no quintal
Começou há mais de 40 anos. A percepção sobre o potencial das jabuticabas na cidade de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), ajudou a construir a cultura em torno da fruta, e a economia da cidade pegou carona nessa estrada. Por meio de uma lei municipal de 1982, os sabarenses que mantivessem pés de jabuticaba no quintal passaram a ter desconto de até 25% no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). A estratégia deu certo.
Hoje, a cidade conta com mais de 150 negócios neste ramo, incluindo a fruta in natura e os seus derivados como geleias, molhos, doces e bebidas, e até mesmo, artesanato. Além disso, o Festival da Jabuticaba, que acontece anualmente há quase quatro décadas, também ajuda a fomentar o turismo na cidade.
Só na edição do ano passado, a festa recebeu cerca de 100 mil pessoas. Em 2024, o festival, que começou cinco anos após a criação da lei, chega a sua 38° edição. Ele acontece tradicionalmente em novembro, pois depende do período de colheita da fruta e, portanto, das chuvas.
Quanto ao desconto no IPTU, funciona assim: cada pé de jabuticaba no quintal dá direito a 5% de desconto no tributo, e o limite para redução no imposto é de até cinco pés. Com isso, os sabarenses que cuidam bem de suas jabuticabeiras podem garantir até 25% de desconto.
“Esta medida serve para estimular a produção na cidade e manter viva essa tradição. Hoje, nós temos 1.800 famílias beneficiadas com o desconto. Isso acabou fomentando o Festival da Jabuticaba que acontece aqui. As pessoas trabalham o ano inteiro para a festa e a venda de produtos aumenta sobremaneira neste período. Ouso dizer que nós somos a terra da jabuticaba”, exalta o prefeito de Sabará, Wander Borges (PSB).
Antes da lei, prática era ‘alugar’ pés de jabuticaba
Mesmo antes do incentivo municipal, os moradores da cidade já davam um jeito de explorar economicamente o excedente de suas jabuticabeiras, que, por cerca de duas semanas ao ano, ostentavam seus frutos pela cidade. É esta a lembrança de infância de Elaine Torres, uma das proprietárias do Quintal Torres, negócio de família especializado na produção e comércio dos derivados da fruta.
“Antigamente o povo não vendia os derivados como fazemos hoje, vendia era a jabuticaba no litro. A medição era feita em latas de óleo. Uma prática dessa época era alugar o pé de jabuticaba. O turista vinha e pagava pra ficar chupando a fruta no pé. Isso era comum nos quintais sabarenses”, lembra.
Ela retomou a tradição de mais de 50 anos atrás no último Festival da Jabuticaba, realizado no ano passado. “As pessoas que vieram amaram essa experiência”, comenta. Os 35 pés de jabuticaba de seu quintal foram “abertos ao público” um pouco antes da festa, de acordo com a safra.
É que, em Sabará, são as árvores que controlam o calendário. “A gente marca essas ações e o próprio festival de acordo com a safra de jabuticabas. Primeiro elas vão florir e a partir daí, são 40 dias para estarem no ponto de apanhar”, explica a produtora.
Jabuticabas há seis gerações
O quintal da família Torres produz jabuticabas há seis gerações. Devido ao tempo de vida das árvores, as plantas são constantemente renovadas, mas ela tem ali jabuticabeiras centenárias. Elaine acredita que o desconto no IPTU ajudou a manter a tradição na cidade.
“Quando eu era pequena, me lembro das minhas tias anotarem em um caderninho as vendas de jabuticabas. Elas já deixavam separado uma parte do dinheiro das vendas para pagar o imposto do imóvel, isso, antes do desconto. Acredito que essa medida é muito interessante porque é um incentivo para os cidadãos produzirem jabuticabas e não cortarem as suas árvores”, conta.
O negócio ganhou força na pandemia, porque, com a impossibilidade de realizar os festivais, o excedente tinha que ser escoado de alguma forma. Foi aí que as vendas on-line deram fôlego ao Quintal, que, hoje, comercializa cerca de 40 produtos derivados de jabuticabas para todo o País.
A formação dupla de Elaine, em Administração e Gastronomia, é um dos ingredientes para o sucesso do negócio. “Aproveito essa habilidade para administrar o negócio e também desenvolver novas receitas”, diz.
Da casca ao caroço
A Sabará e Sabor, fundada sete anos depois da lei municipal de desconto nos impostos, conta com quatro pés de jabuticaba no quintal do restaurante e alambique Jotapê, próprio da marca, à disposição dos clientes. Já para a produção de cerca de 40 derivados da fruta, como geleias, molhos e bebidas, a proprietária Iara Maria Biasi conta com as árvores de fornecedores da região. Afinal, ela precisa de cerca de 20 toneladas de jabuticaba para abastecer a sua fábrica.
Por lá, Iara não perde nada: aproveita não só a polpa, como a casca e o caroço. “Eu congelo as frutas, pois a safra é muito curta. Assim, conseguimos atender tanto os clientes do nosso restaurante como os empórios e outros restaurantes para quem vendemos os produtos. Também desenvolvemos uma linha sustentável para aproveitar toda a jabuticaba. Temos, por exemplo, um doce do caroço e da casca. Antes, isso era descartado. Agora, o meu lixo na produção acaba sendo zero”, explica a empreendedora.
Hoje, ela vende seus produtos não só em Minas, mas para outros estados do Brasil. Iaria Biasi acredita que o incentivo municipal ajudou a potencializar o comércio da jabuticaba. “Acho que é um incentivo e tanto para muita gente que, em função disso, passou a cuidar melhor dos pés de jabuticaba da cidade”.